Psicólogos americanos apresentam uma possível explicação do motivo pelo qual acreditamos em notícias falsas e isso tem a ver com hábitos cultivados desde a infância.

Depois de o termo pós-verdade ter sido eleito o termo do ano segundo o dicionário Oxford em 2016, a questão das notícias falsas ou fake news continuou como um assunto a ser refletido e um problema a ser combatido. Enquanto algumas vertentes trazem como uma possível solução a alfabetização midiática (media literacy), que significa orientar as pessoas a entenderem os processos da mídia, por outro lado há também uma análise mais profunda da nossa subjetividade sendo feita por psicólogos.

Durante a mais recente convenção da Associação Psicológica Americana, Mark Whitmore, professor assistente da Universidade de Kent comentou que, no cerne da tendência a acreditar em notícias falsas está a necessidade do cérebro em receber informações confirmantes e que harmonizem com o ponto de vista já pré-estabelecido pelo indivíduo. “Na verdade, pode-se dizer que o cérebro está programado para aceitar, rejeitar, confundir ou distorcer informação baseada naquilo que é visto como aceitável ou ameaçador para suas crenças pessoais”, ele complementa.

Outro fenômeno que gira em torno do problema das notícias falsas ficou conhecido como viés confirmativo (confirmation bias), o que diz respeito à tendência de as pessoas procurarem por e aceitar informações que confirmam crenças já seguidas, ignorando ou mesmo rejeitando argumentos que as contradigam.

Essas crenças, como explica a doutora em psicologia Eve Whitmore, são formadas ainda durante a infância, quando crianças começam a distinguir o que é fantasia e o que é real, o que significa que algumas dessas crenças podem ser baseadas em fantasias e acabar levando a um raciocínio adulto baseado em algo sem sentido. “Desde o começo, os pais reforçam às crianças a habilidade de fingir de modo a lidar com a realidade inerente à cultura e sociedade. Quando crianças aprendem a fazer de conta e conquistam essa habilidade, isso acaba se tornando uma forma complexa de autoengano e ilusão durante a fase adulta.”

Faz parte das brincadeiras infantis a prática mimética e o faz de conta, algo que é, na realidade, muito importante para nossa formação como indivíduos, como explica Johann Huizinga em Homo ludens, por exemplo. É nessas brincadeiras de faz de conta que a criança pode fingir ser mãe de uma boneca e motorista de caminhões de brinquedo, de modo a assimilar regras e convenções culturais do mundo adulto. Mas, por outro lado, as crianças também acabam acreditando que não tem problema inventar e, na verdade, elas podem nem saber que estão inventando algo.

Isto porque, como explica Eve Whitmore, é na adolescência que começamos a desenvolver um maior pensamento crítico que passa a questionar aquilo que fomos ensinados a acreditar quando crianças — e isso vai muito além do coelho da páscoa e papai noel para englobar crenças religiosas ou mesmo respeito às autoridades, sejam elas os pais ou os próprios governantes no poder. No entanto, é durante essa fase de “revolta” que esses questionamentos podem acabar gerando conflito nas famílias (a famosa briga no almoço de família), mas muitos desses adolescentes, na verdade, preferem racionalizar essas falsas crenças para evitar problemas com seus pais e familiares: isto é, uma adolescente pode não acreditar que “lugar de mulher é na cozinha” como algum tio deve ter afirmado, mas prefere tentar aceitar isso para evitar conflitos.

O problema é que, ao mesmo tempo em que alguns racionalizam esse conflito, outros também o fazem inconscientemente, o que leva a uma fase adulta na qual essas crenças falsas e vieses formados enquanto criança não passaram por um julgamento crítico, mas foram simplesmente aceitos e absorvidos, o que se repercute na maneira como uma pessoa adulta percebe o mundo, como defende Mark Whitmore. “Desse modo, crenças da infância perseveram durante a vida de uma pessoa e servem como base para o processamento de informações durante a fase adulta. Ao tentar confirmar ideias pré-estabelecidas, uma pessoa pode recorrer tanto à ficção quanto à realidade de modo a preservar sua opinião.”

Com o crescimento e desenvolvimento da internet, bem como das redes sociais, há todos os tipos de conteúdos e de opiniões sendo publicadas e amplificadas. “Na mídia atual, os canais são múltiplos e as mensagens são frequentemente simultâneas e contraditórias. O receptor é muitas vezes confrontado com mensagens paradoxas e aparentemente absurdas. Fica mais fácil recorrer a uma simples ficção do que uma realidade complexa”, explica Mark Whitmore.

Por outro lado, enquanto os psicólogos conseguem, de certa forma, explicar por que acabamos acreditando em notícias falsas, eles também possuem estratégias para evitar esse tipo de problema. Uma das dicas é reduzir a ansiedade que faz com que o viés de confirmação pareça tão atraente. “Uma boa estratégia de defesa é o humor. Assistir a programas de comédia ou sátira política, apesar de não estar realmente alterando ou mudando a fonte do problema, pode ajudar reduzir o estresse e a ansiedade associados a ele. Outra forma é a sublimação, na qual você canaliza seus sentimentos negativos em algo positivo, como ir correndo até o trabalho, participar de um protesto ou voluntariar-se a alguma causa social”, recomenda o acadêmico.

Outra recomendação é que as pessoas cultivem uma mente aberta ao deliberadamente se expor a diferentes pontos de vista: isso pode ajudar a moderar nossas opiniões e olhares, fazendo-as menos extremas. Nesse sentido, o pensamento crítico volta a ser também um elemento importante, já que as pessoas precisam aprender a questionar aquilo que ouvem e isso deve começar desde a infância. “Para desenvolver um maior grau de ceticismo durante a infância, deve-se encorajar a criança questionando as coisas, assim diminuindo o viés de confirmação. Todas essas estratégias têm pesquisas substanciais que confirmam os efeitos benéficos”, conclui o psicólogo.

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