Palestra do pesquisador Jeremy Kirshbaum, do Institute for the Future, trata sobre como visualizar o futuro é importante para os negócios do presente e quais são as dicas para se adaptar aos novos cenários.

Nesta quinta-feira, dia 19, o Impact Hub Pinheiros, sede da UP em São Paulo, sediou a palestra “Future of Business”, ministrada por Jeremy Kirshbaum do Institute for the Future, uma think tank sem fins lucrativos criada há quase 50 anos no Vale do Silício.

Falando para uma plateia majoritariamente interessada em tornar o objetivo de seus negócios em uma iniciativa de impacto social, Kirshbaum defendeu que alguns dos motivos pelos quais devemos pensar sobre o futuro e especialmente nos dedicar à prática do futurismo ou do foresight é justamente porque precisamos de formas úteis para realmente conseguirmos visualizar cenários que vão além daqueles que gostaríamos de vivenciar. Além disso, o futuro é um local seguro para abordar tópicos controversos e difíceis, bem como é o tempo perfeito para se descobrir novas oportunidades e se preparar para movimentos e mudanças que demandarão resiliência.

Citando a teoria do futurista Roy Amara, Kirshbaum disse que tendemos a supervalorizar o impacto da tecnologia a curto prazo, enquanto subestimamos seus efeitos a longo prazo. Para o pesquisador do Institute for the Future, visualizar o que pode acontecer daqui a dez anos é muito mais fácil do que para dois anos, já que certas previsões a longo prazo podem ser uma forma de estabilização resultante das mudanças ocorridas, por exemplo, nesse prazo mais curto e mais difícil de ser explorado.

Seguindo as conclusões de uma pesquisa liderada por Kendall Haven e patrocinada pela DARPA, Kirshbaum falou sobre a importância do storytelling ou, de maneira geral, das histórias. De um ponto de vista neurocientífico, Haven chegou a publicar o livro Story Proof: the science behind the startling power of story (2007) para explicar como nossos cérebros são famintos por histórias, de modo que quando estamos em falta delas, passamos a inventá-las. É o que os resultados de experimentos de isolação extrema mostraram conforme os indivíduos analisados demonstram começar a alucinar quando expostos por muito tempo a ambientes totalmente deprivados de som e luz, por exemplo.

Desse modo, o futuro também pode ser visto como uma história, a qual pode ser norteada a partir de quatro perguntas estruturais. Elas são:

1. Sobre quem é essa história, para mim?
2. Quão ruim ou quão bom é a história para esse personagem?
3. Quem é o responsável?
4. O que devo fazer?

Mas para se contar essa história ou mesmo fazê-la acontecer, diz Kirshbaum, não são necessários grandes recursos. Em The Nature of the Future (2013), Marina Gorbis fala justamente como é incrível o que as pessoas, hoje, conseguem fazer sem nenhum dinheiro, nenhuma administração e nenhum funcionário.

Mais conectados do que nunca, hoje somos capazes de fazer projetos serem levados adiante justamente por conta das redes que formamos mais do que pelo dinheiro que levantamos para a realização. Nesse sentido, os modelos de negócio distribuídos passam a ser a grande tendência que se desenvolve nesse momento para serem estabelecidos no futuro. Segundo Kirshbaum, são justamente esses modelos que irão causar disrupção em praticamente todas as indústrias, incluindo empresas baseadas em plataformas e empresas de internet das coisas.

A transição, portanto, se daria de um sistema fechado e centralizado para um modelo em rede aberta e concentrada em uma nuvem, então finalmente alcançando um estado totalmente distribuído. A lógica é exatamente a mesma daquela proposta em 1964 por Paul Baran, sendo que hoje podemos visualizar que esse esquema poderia ser aplicado em praticamente qualquer negócio.

Kirshbaum deu como exemplo o sistema de mobilidade urbana, passando de um momento com táxis para empresas como Uber e Taxify, chegando então no Arcade.city, uma plataforma controlada diretamente pelos motoristas e, portanto, não mais centralizada por uma empresa. É em um exemplo como esse que temos a lógica do blockchain e a ausência de um intermediário que tanto concentra os processos quanto acaba por tomar uma parte do dinheiro que circula.

Isto é, em um modelo distribuído e sem intermediários, menos taxas e burocracias seriam necessárias, mas, por outro lado, também somos confrontados por problemas no âmbito do suporte ao consumidor. Para tangibilizar essa questão, Kirshbaum comentou sobre o fato de ele ter esquecido seu passaporte dentro do carro de um motorista do Uber com quem fez uma viagem. Ao perceber que estava sem o documento, entrou em contato com a Uber e logo teve seu passaporte de volta. Em um sistema distribuído, em que já não há mais uma empresa centralizando direitos e obrigações, quem fica responsável por dar suporte ao consumidor caso haja algum problema durante a viagem?

Também nesse caso, dados serão mais difíceis de serem coletados. Isto é, conforme empresas (intermediários) fornecem determinados serviços, elas também acabam por coletar dados dos usuários que vão desde localização a hábitos de navegação, compras etc, o que é revertido seja em lucro ao vender para uma outra empresa interessada naquelas informações ou em melhorias internas conforme a análise do comportamento dos usuários. É nesse cenário, portanto, que os executivos terão seus cargos postos em questionamento, já que a tecnologia fará com que esse tipo de posicionamento intermediário seja considerado dispensável.


Assim, Kirshbaum afirma que são práticas sociais distribuídas que determinarão o sucesso neste mundo, apesar de ninguém, neste momento, ainda saber como fazer isso da forma certa. Um case que não se provou de sucesso, porém um sinal que pode ser levado em consideração para futuras empreitadas, é a plataforma ou organização autônoma e decentralizada chamada The DAO. Basicamente, sua proposta era lidar com fundos de venture capital, fornecendo um novo modelo decentralizado de organizar projetos comerciais e sem fins lucrativos, usando o sistema de blockchain Ethereum e com código open source. Lançada em 2016, a plataforma durou apenas alguns meses, sendo que no fim do ano ela já passou a ser desconsiderada por conta de suas vulnerabilidades na segurança e nos erros de programação.

Assim, o desafio que fica para as empresas que desejam se preparar para um futuro distribuído é justamente encontrar novas formas de se coletar dados dos usuários e de seus dispositivos, já que não será mais possível de coletá-los de forma passiva, bem como quais tipos de práticas sociais e de liderança deverão ser desenvolvidas para se adaptar a esse novo mundo? Por último, Kirshbaum ainda faz a provocação sobre como as empresas conseguiriam sair da posição do meio, isto é, de intermediárias, passando a atuar mais como um fornecedor de serviços terceirizados para redes distribuídas.

Mais do que mudar a forma como as empresas atuarão nesse cenário distribuído, é a própria noção de emprego que será modificada também, conforme todo o mercado se situará em um estado de volatilidade que já demonstra seus primeiros sinais a partir de ocorrências como a pós-verdade, novas funções exercidas pelos Estados, novas identidades e demográficas, crise climática e conflitos globais. Aquelas empresas e indústrias que conseguirem se sobressair e se adaptar à volatilidade desse cenário estarão justamente na posição de “High Delta Markets”, isto é, empresas que transpassam polaridades como emergente versus desenvolvido ou virtual versus físico, por exemplo. Kirshbaum brinca que, hoje, já não faz mais sentido usar termos como e-mail ou e-commerce, já que o “e” outrora abreviava “electronic” ou “electricity”, de modo que esses termos seriam uma adaptação de mídias tradicionais e que ganhavam novas versões eletrônicas.

Para explicar melhor a diferença entre empresas High Delta e Low Delta, Kirshbaum trouxe alguns exemplos como o mercado de varejo, assim denominando os negócios low delta nessa área como grandes lojas físicas que concentram os produtos e as vendem para outros poucos intermediários. Já as empresas high delta são lojas de alta frequência e que vendem em grande quantidade para pequenos empreendedores.

Tendo morado em países como a Nigéria e a China, Kirshbaum dá exemplo de como as pequenas lojas ou camelôs naqueles países chegam a fazer quase 200 mil dólares ao ano vendendo em grandes quantidades produtos que serão revendidos a um preço menor. Sobre essa questão, no entanto, o pesquisador não entrou em detalhes sobre em que condições esses objetos são produzidos na China, por exemplo, mas sim se focou nos números e valores revertidos nesse tipo de comércio.

Nesses pólos, contudo, a inovação é ainda mais emergente, fracionada e muito rápida. Isto é, várias das invenções que há pouco tempo se tornaram populares no Ocidente, como o caso do pau de selfie ou dos fidgets, são exemplos que surgiram primeiro nesses núcleos comerciais na China. Aliás, também é discutido como chineses acabam por desenvolver produtos propostos em financiamento coletivo, por exemplo no Kickstarter, antes mesmo de terem sido completamente financiados. A isso também se soma o fato de que todas essas invenções acabam por não ter um autor — ninguém sabe quem realmente criou o pau de selfie ou os fidgets, por exemplo, já que o mais importante é fazer aquele produto acontecer do que pensar em autoria.

Por fim, Kirshbaum apresentou algumas dicas de como se criar uma estratégia para se adequar com resiliência a esse cenário:

- Divida mercados a partir de características compartilhadas, não por países.
- Crie métodos para que empreendedores possam participar e distribuir em seu nome, independentemente se você tem um produto físico ou um serviço.
- Esqueça sobre propriedade intelectual e so vá o mais fácil que puder.
- Não separe os modelos de negócio por serem “digitais” ou “eletrônicos”, mas observe os comportamentos já naturalmente adaptados ao ambiente digital dentro do mercado.
- Não entre em pânico! Permaneça firme quando as coisas começarem a ficar meio loucas. São muito valorizados aqueles que estiveram por perto quando as pessoas mais precisavam. Nesse mundo, confiança e familiaridade podem superar a euforia.

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