Vinte anos depois do chamado “Apagão” de 2001, o Brasil se vê novamente diante de uma crise energética. Com características políticas, econômicas e ambientais, a crise tem sido agravada também pelo fato de o país ter a maior parte de sua produção de energia concentrada em fontes hidrelétricas. Como nos últimos anos as médias pluviométricas têm se mostrado abaixo dos índices históricos, especialmente quando tratamos da região centro-sul do país, a dependência por hidrelétricas acabou gerando essa crise sistêmica, uma vez que o abastecimento elétrico também repercute na indústria e nos preços dos produtos.

Apesar disso, quando olhamos para o nordeste brasileiro, vemos que a região já conquistou notável avanço na inserção de outros métodos de produção de energia renovável, como é o caso da energia eólica e solar. Segundo a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), o método eólico foi responsável por 94,4% de toda a energia consumida no subsistema nordeste no primeiro semestre de 2021. É também nessa região onde se concentram 80% dos parques eólicos nacionais, os quais ajudaram o Brasil a subir da posição de 15o lugar no ranking mundial de produção de energia eólica para o sétimo, com um fator médio de capacidade de 40,6% (2020) contra a média mundial de 34%.

Já no caso da energia solar, o nordeste tem batido uma série de recordes na indústria que também está indo na contramão da crise hídrica. Segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), a região tem mais de 2,4 GW de usinas fotovoltaicas em operação, mas a energia solar ainda representa somente 2% da matriz energética brasileira. A meta até o fim de 2021 é que a porcentagem suba para 2,7%, sendo que, em 2025, espera-se que a energia solar represente 4% da matriz energética brasileira, enquanto a eólica chegaria aos 13% e as hidrelétricas cairiam para 59%. Ou seja, estamos passando por uma crise hídrica que impacta na produção de energia, porém, com maior foco em outras fontes renováveis, conseguimos ter um respiro para contornar a demanda energética.

Para além dos seus impactos econômicos e tecnológicos, dados como estes também refletem o importante momento cultural e artístico no qual vivemos no país. Dentro da ficção científica brasileira, a chegada da chamada quarta onda de escritores vem com a proposta de subverter clichês e estereótipos outrora cultivados seja no mainstream ou mesmo nos nichos. É dada a largada para um momento de abandono do Complexo de Vira-Lata diagnosticado por Nelson Rodrigues.

No caso do Sertãopunk, movimento literário proposto pelos escritores Alan de Sá, Alec Silva e G.G. Diniz, é feito o convite a se pensar a região nordestina em sua pluralidade e potencialidade que vão além dos recursos frequentemente utilizados em produções massificadas -- isto é, a persistente referência ao cangaço, à seca e à miséria. O movimento surgiu logo após o desenvolvimento da série de ilustrações intituladas Cyberagreste, realizada por Vitor Wiedergrün.

Com o lançamento do filme Bacurau, em 2019, tivemos um primeiro impulso por parte da cultura pop brasileira em repensar questões como identidade cultural, tecnologia e colonialismo a partir da linguagem hollywoodiana adotada pela produção. No caso do Sertãopunk, o movimento incentiva que novas histórias sejam escritas sobre o nordeste e os nordestinos, inclusive entendendo seus movimentos de êxodo pelo país e desdobramentos por outras regiões.

Assim como sugerido por Ivan Carlos Regina em seu “Manifesto Antropofágico da Ficção Científica Brasileira”, o gênero vem buscando novas formas de expressar uma visão brasileira futurística que fuja da simples absorção de tropos estrangeiros para se tornar, de fato, um processo de digestão desses referenciais. Enquanto nas ciências sociais se discute questões como políticas de reconhecimento, decolonização e descolonização no século 21, na arte se busca confeccionar uma complexa tapeçaria que possa representar a multiplicidade de um país de dimensões continentais.

É por conta disso também que o Brasil conquistou posto de destaque nos movimentos e gêneros artísticos Solarpunk e Afrofuturismo. No fim da década de 2010, uma conjunção de acontecimentos políticos e culturais desembocou no nascimento de uma nova onda de artistas que vêm subvertendo as visões de futuro ditadas por Hollywood. 

Com a internet, essas discussões são passíveis de amplificação para além das fronteiras geográficas, o que as torna pautas globais enriquecidas pela diversidade de pontos de vista e vivências. Uma das provocações feitas nesse sentido é a redescoberta do senso de pertencimento e origem, como propõe o artista e ativista francês Makan Fofana, criador do projeto Banlieue du Turfu: por que o futuro só pode acontecer fora da periferia e para além do sul global? Por que preciso sair do meu local de origem para poder prosperar e viver o futuro?

O fato de o nordeste estar fomentando uma revolução energética e ecológica no Brasil vem, portanto, junto à urgência de se reavaliar as visões de futuro que sustentamos até então, bem como as narrativas que foram suprimidas diante de tais crenças. Apesar disso, o fato de termos Alice Pataxó representando o Brasil na COP26 deste ano é um motivo para celebrar e reconhecer que estamos nos deslocando para esse novo momento cultural e político no Brasil.

Desde seus 15 anos, a influenciadora indígena usa as redes sociais para falar sobre a preservação da cultura de seu povo, que se divide em aldeias no sul do estado da Bahia e norte de Minas Gerais. Antes de embarcar para a Escócia, Alice tuitou: “A floresta não tem dono, mas tem guardião. Por isso estamos aqui, para defender esses territórios, defender a vida.”

Nesta edição da COP26, Alice teve o grande desafio de representar um país que, nos últimos anos, acabou tendo seu posto de combate à mudança climática rebaixado, além de estar vivenciando um momento de fortes conflitos sobre as terras indígenas. Ao lado de outras lideranças jovens como Greta Thunberg e Malala Yousafzai, Alice afirmou em entrevista que a oportunidade de participar da COP26 lhe deu um novo ânimo e confiança de que seu povo, afinal, não está sozinho nessa luta que é muito maior e potente do que as adversidades querem fazer acreditar.


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